
A recente medida adotada pela Uber de passar a responsabilidade do preço das tarifas para cada motorista individualmente, é mais um movimento unilateral de uma empresa em posição monopolista. Se de uma forma geral, o setor TVDE já está habituado a ser regido por regras impostas unilateralmente por terceiros com pouco ou nenhum pré-aviso, desta vez, esta medida comporta uma novidade desestabilizadora menos habitual em Portugal: a do canibalismo económico.
Numa época em que escasseiam as viagens e o medo de cada um estar a ser amplificado com as mensagens que entram pela aplicação, pode facilmente levar alguns motoristas à tentação da utilização de tarifas mais baixas. Esse medo de alguns pode rapidamente transformar-se numa bola de neve, empurrando outros motoristas a também baixarem para conseguirem ter viagens. No final todos são obrigados a baixar a tarifa para 0,7 (menos 30%).
A estratégia de baixar a tarifa é uma atitude de “Perde-Perde” (Lose-Lose), no final todos são obrigados a baixar a tarifa em 30%, e todos têm o mesmo número de viagens que tinham antes. Aquele que tentar subir a tarifa não terá viagens. Todos perdem.
Curiosamente, esta prática é mais típica de outras geografias e mesmo de outros tempos, onde o ‘salve-se quem puder’ era, e em parte ainda é, a lei do mercado. Hoje e em especial na europa, esta prática é vista como abusiva e exploratória.
Quando uma aplicação de reservas dá aos motoristas – individualmente - possibilidade de alterar as tarifas, pode parecer uma medida positiva, colocando a possibilidade de subida de preços tão pedida nas mãos dos motoristas. Isso seria verdade se a possibilidade de alteração fosse somente no sentido positivo ou se a configuração fosse implementada pelos operadores, mas, quando a decisão é individual do motorista, e a aplicação envia mensagens a alertar que está a perder viagens por não estar tão barato quanto o colega na rua ao lado, entramos noutro campo, no da exploração da fragilidade individual e os medos naturais de cada um, hoje bem presentes pela altura difícil que o setor está a passar.
A anulação destas práticas só se pode fazer com um sentido de responsabilidade comum e de união. O associativismo, caso existisse, poderia ser uma forma para minorar o efeito negativo desta medida, ‘forçando’ os seus associados de não aceitarem em caso algum tarifas mais baixas do as já em vigor. Com algum esforço, poderia ser até utilizada favoravelmente para os motoristas. O problema coloca-se por não haver associações fortes na atividade. As plataformas sabem bem disso e utilizam esta fraqueza, o que mais uma vez não abona a seu favor.
Haverá ainda quem defenda que o estado deverá impor uma tarifa mínima para proteger o setor. Por princípio, na RAU drive não consideramos positivo o estado a impor regras a mercados que deveriam ser concorrenciais, mas quando o mercado é moldado ao gosto de empresas monopolistas, e quando estas utilizam esta posição para além do razoável, aí concordamos que uma intervenção moderada poderá ser saudável.
Na RAU drive somos defensores do liberalismo económico e da valorização da iniciativa individual e das empresas, no entanto, também defendemos um liberalismo ‘equilibrado’, ou seja, não pode ‘valer tudo’ para se atingir objetivos. Consideramos ser fundamental conduzir os negócios com honestidade e equilíbrio. As empresas com maior dimensão deverão saber que o lucro a todo o custo não é tudo. Para empresas que lidam com uma base alargada de clientes e parceiros, a tomada de decisões que asseguram exclusivamente os seus interesses sem ter atenção os interesses dos restantes intervenientes, não são sustentáveis a longo prazo.
Hoje é pratica comum haver uma preocupação com a responsabilidade social, seja para com os parceiros de negócio, protegendo o seu ecossistema de valor, seja para com a sociedade em geral na região onde a empresa atua, seja ainda para com o ambiente, criando conforto e valor para as pessoas e para a região onde que se insere a atividade.
Esperamos para ver como os motoristas se organizam para a utilização desta perigosa ferramenta e qual a reação das associações do setor, nomeadamente da AEO TVDE. Este é o momento de se revelarem aqueles que realmente podem intervir a favor do setor.